sábado, 23 de fevereiro de 2008

A MISSÃO DOS INTELECTUAIS

por Luis Eduardo Acosta Hoyos, Dr.Sc.

INTRODUÇÃO. - Caros intelectuais, artistas, músicos, escritores e, como valeria a pena, "porque nossa alma não é pequena" que estudássemos nossa missão e tocássemos opiniões e depoimentos sobre a matéria. Faz alguns dias li um artigo publicado no JC onde o autor apresente dois poetas perseguidos e me ficou a impressão, subliminarmente, que tinha uma dedução de que assim como esses dois poetas, no mundo se estava perseguindo aos poetas. Primeiro devemos pensar quem são esses poetas e em segundo lugar com que regime de governo eles conviveram ou foram banidos, pois os regimes ditatórios, tanto de esquerda como da direta perseguem alguns determinados poetas e escritores. Como Franco da Espanha que perseguiu e matou a Garcia Lorca, o Pinochet de Chile que perseguiu a Pablo Neruda e o de Hugo Chaves que, com a censura, persegue os escritores. E na Rússia, nem se fale, pois a perseguição dos escritores tem sido e continua sendo muito comum; e o mesmo ocorre na China e em todos os países de governos comunistas, como o de Cuba e o da Coréia do Norte, sem mencionar os demais governos de exceção que perseguem, em regra, a todos os intelectuais.

Mas generaliza dedutivamente para todos os governos, isso não é certo. Claro, não mencionei os regimes ditatórios do Brasil e da Argentina que também perseguiram seus intelectuais, e também os do Uruguai e do Paraguai, mas que fique, bem claro, os governos ditatórios, todos, têm- nos perseguidos, Mas isto não é certo nos regimes democráticos. E quando algum intelectual é perseguido é pelos grupos sociais que exercem sobre eles a censura, bem seja não publicando suas obras o quando é veiculada pela internet, exercem sobre eles críticas que frustram seus esforços e matam seus sonhos; e muitas vezes deve-se a que interpretam mal a literatura, as pinturas, música, as esculturas ou as obras monumentais em paisagens ou construções diferentes.

Os intelectuais se classificam de acordo às formas que escolhem para dar sentidos a sua compreensão e os seus laços com a realidade. Contemplá-los desprovidos das tentações pejorativas ou pelo menos, no caso de existirem, como habitualmente acontece neste tema, não esquecendo que teremos a companhia deles cada dia, e assim nos converteremos em fruitivos da sua missão prestadia à sociedade. Examinando os diferentes tipos de intelectuais para assim nos preparar na leitura das suas produções.

O sociólogo alemão Karl Manheim disse que: “Cada época produz uma pluralidade de pontos de vista diferentes. Interesses sociais diferentes e criam soluções culturais diferentes". Todo isso interpretado pelos intelectuais segundo as seguintes categorias. Acompanhados pelo escritor Horácio González, 1981 passamos a analisar os diferentes tipos de intelectuais;

O intelectual maldito (“Um intelectual, para mim, é alguém que é fiel a um conjunto político e social, mas não deixa de contestá-lo”) – Sartre.

Entre eles podemos citar a Budelaire, Rimbaud, Sartre e Simone Well. Entre os brasileiros Arnaldo Jabor, Nelson Rodrigues

O adjetivo “maldito”(que é de Verlaine, destinado a identificar a poesia do seu amigo Rimbaud) encerra uma lapidar sugestão sobre qual é a relação entre o intelectual e a sociedade. Uma relação tanto mais frutífera quanto maior o desencontro. O extremo desta atitude encontra-se nas crônicas arábicas do coronel inglês T. E. Lawrense; sobre este modo amaldiçoado de vida intelectual para sempre a sombra do suicídio imaginário, que nem sempre tem a ver com o suicídio real. O suicídio é a maneira de apagar a distância entre a sociedade impossível (mas real na literatura) e a sociedade real (mas impossível na literatura e nas outras forma de arte).

O intelectual precursor (“Para os homens imaginarem-se, foi necessário antes espantarem-se” – Lucien Fabre – O precursor é aquele que parecerá sentir-se mais à vontade quando o pensamento se encaminha a não reproduzir as realidades mentais existentes.) Entre eles poderíamos situar a Arthur Schonpehawer,Friedrich Nietzsche, Karl Marx Engles, Hegel. O grande romancista Dostoievski, Balzac e Victor Hugo, traduz numa dimensão lírica os enredos mais sensacio-realistas de Eugèn Sue.

O precursor pode sentir-se desobrigado com qualquer ação prática ou ainda pode desprezá-la. Entre eles poder-se-ia citar-se a Lênin. Rosa Lusemberg e Gramsci não se privaram de formular ressalvas e dúvidas à respeito da onisciência. Não se trata, claro, de defender os “literati”. Mas devemos supor que não é fácil desagregar os vestígios do “literati”, mais do que outra coisa, significa a não profissionalização do exercício da ação e do conhecimento político.

O intelectual revolucionário. – (“...sem que importe se são estudantes ou operários”) Bem se poderia perguntar diante desta terceira classificação: não é revolucionária uma variedade intelectual precursor? Certamente como Goya, Greco, Brueghel, Bosch, Van Gogh, Manet.

O “Impressionismo”, quer dize, com o intento de organizar a realidade a partir de intuições pessoas de cunho estético, e não de acordo com seus objetivos”.

4° Intelectual populista. – (“Ele era íntimo, meigo e lírico. A revolução é pública, épica e catastrófica. Mas a curta vida do poeta interrompe-se por uma catástrofe”) - Trotski, diante do túmulo do suicida Essenin.

O “literati” é a versão bufa do intelectual “artesanal” (na idéia de Lênin, aquele que se nega a considerar a sociedade como uma totalidade de relações sociais contraditórias) e nos comunica com a formulação principal de que é necessário fazer para perfilar a figura do populista. Trotski desenha a imagem do “intelectual populista” com um sarcasmo ferino e divertido: “eles vão em direção ao povo com a roupa de baixo suja, sem pente e sem escova de dente”.

Imaginam então, que o povo fixa sua vida numa precariedade rústica, embora feliz, coberta de chagas mas também de sabedoria. Os populistas tentavam encarnar “o povo em geral”, mas não conseguiam disfarçar sua filiação pequeno-burguesa. Apesar de sua teoria romântica, eles eram explicados por sua visão de classe. O intelectual populista acredita que a vida democrática já reside no povo, enquanto este não é capturado pelas formas produtivas capitalistas. Vejamos o caso de Maiacovski, diante dos que propunham que todo o aparelho cultural fosse reinventado junto ao novo papel do proletariado (corrente que na Rússia receberam o nome de “cultura proletária”, nunca bem vistas nem por Lênin nem por Trotski.) Maiacovski perguntava: “é eu que me vendo?”.

O intelectual cosmopolita. – (“Não se faz política e história sem conexão sentimental entre os intelectuais e o povo-nação”). – Gramsci –

Anteriormente vimos os intelectuais “iluministas” contrapostos aos populistas. Bem, o ponto de vista dos intelectuais cosmopolitas é muito semelhante ao dos iluministas. Não será trabalhoso admitir que o iluminista de Lênin corresponda, em linhas gerais, ao “cosmopolita de Gramsci." O intelectual nacional-popular acaba sendo enfaticamente valorizado pelo pensador italiano. Isto porque a partir desse âmbito nacional popular que se podia mobilizar o conjunto de sociedade contra as formas de dominação vigente. No Brasil Jorge Amado surge, a primeira vista como autor de Capitais de areia, uma indisfarçável intenção anticosmopolita. O “saber popular” é uma voz potente e definitiva, a forte compreensão para a que nada do humano é alheio.

O excelente prólogo de Antônio Cândido para Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, caracteriza com brevidade e precisão as virtudes e defeitos desta corrente intelectual. Gilberto Freyre, criador do “complexo casa-grande e senzala”, tem uma potencialidade integradora cultural que, para Freyre, é sempre superior às contradições que poderia socialmente gerar, por envolver relações conflitavas entre trabalhadores não livres e proprietários de terras. Não deixa de ser curioso que os esforços permanentes de Freyre por seguir as pegadas do tipo cultural brasileiro “em formação” estejam cada vez mais acompanhados de sua atitude de intelectual cosmopolita. Os intelectuais devem provar a força de suas teorias –afirmava Gramsci – construindo “nexos sentimentais” com o povo.

O intelectual orgânico. – (“Todos os homens são filósofos, que todos os homens são intelectuais. Todavia, isto não quer dizer que todos assumam essa condição , porque não serão designados socialmente como intelectuais aqueles que trabalham com meios expressivos (populares”) – Gramsci era um preso especial de Mussolini, que carimbavam uma por uma cada página escrita pelo filósofo enfermo. Se para Lênin é a cultura que supõe processos ideológicos, para Gramsci é a ideologia que não existe sem processos culturais.

O intelectual do círculo do poder. - A atividade intelectual é uma atividade política, e isto é relativamente obvio, para todos aquelas concepções que colocam o momento mais nobre da vida intelectual como um momento político. Ou, se quiser, o momento mais nobre da vida política como um momento intelectual. Mas como seria isto para todas aquelas formas da vida intelectual que rejeitam inserir-se nas cerimoniais, honrarias e ditirambos que a sociedade acolhe com presteza, para render tributo ao príncipe de turno?

MISSÃO DA POESIA. - Não pretendo pontificar sobre este tema. o que gostaria é abrir o debate, para que entre todos cheguemos a um consenso sobre a missão dos poetas e escritores em geral.

Para começar gostaria de expressar meu pensamento sobre essa missão

A poesia é um símbolo de muito valor para a humanidade Igual a que é imortal a alma humana, também é imortal a alma dos países e esta alma é formada pelos poetas. Constroem poemas nos que se encontra viva a força da terra, o fogo dos sentimentos, os lamentos da tristeza, as lucubrações da esperança. Os poetas produzem trabalhos em que se conjuga o amor e a dor, o romantismo e a melancolia, o coração e a paixão. Lembranças em que nos vem à mente a rua, o bairro, ou/e o lugar que não tinha sido compreendido; o olhar à mulher ou ao homem que os poetas (homens e mulheres) sonharam tantas vezes, a paisagem que nos embriagou alguma manhã ou alguma tarde ou um meio dia canicular qualquer; a raiva e a agonia que deixaram na alma cicatrizes infinitas.

Em toda essa produção encontram-se troços de homens, de mulheres, troços da natureza, troços de pátria; e tal vez sem a advertência dos poetas tivesse ficado despercebida.

Com a produção literária, desde logo, os homens não poderão arar o solo, gerar filhos ou mover máquinas. Os símbolos não possuem tal tipo de eficácia. Mas eles respondem a outro tipo de necessidade, tão poderosa como o sexo e a fome: a necessidade de viver um mundo que faça sentido.

Quando os esquemas de sentido entram em colapso, ingressamos no mundo da loucura. Bem dizia Albert Camus: “O único problema filosófico realmente é o problema do suicídio, já que ele tem a ver com a questão que nos ocupa; para compreender se a vida é digna ou não de ser vivida”. E o problema não é material, mas simbólico. Não é a dor que desintegra a personalidade, mas a dissolução de esquemas de sentido. Esta tem sido uma trágica conclusão das salas de tortura.

É verdade que os homens não vivemos só de pão. Vivemos também de símbolos; porque sem eles não haveria ordem, nem sentido para a vida, e nem vontade de viver. Como afirmava Durkheim: “Aqueles que habitam um mundo ordenado e carregado de sentido gozam de um senso de ordem interna, integração, unidade, direção, e se sentem efetivamente mais fortes para viver”. Caso alcancemos esse patamar, teremos então descoberto a efetividade e o poder dos símbolos e vislumbraremos a maneira pela qual a imaginação contribui, notadamente, para a sobrevivência dos homens. E talvez possamos afirmar com Durkheim: “muitas vezes as diferentes contribuições científicas ficam com uma ausência tão indispensável como a magia”.

Mas a magia está constituída pelo símbolo do sagrado e pela arte.

Para que plantar jardins? E as esculturas, os quadros, as sinfonias, os poemas, a ficção, as obras artísticas monumentais?

E grandes e pequenos se dão as - mãos, e brincam de roda, e empinam papagaios, e dançam, e choram os seus mortos, e choram a si mesmos nos seus mortos, e constroem altares para seus Deuses, e fala-se sobre a suprema conquista do corpo, do triunfo sobre a natureza, a da imortalidade da alma, e da ressurreição da carne.

O Professor Ricardo Soares, ligado à UFPE, com doutorado em literatura na sua monografia Romance Interdito revela que sua poesia, embora ligada à longa tradição de lírica amorosa, se constrói, ao mesmo tempo, com a metalinguagem característica da modernidade: o poema sempre revelando-se – parece que a monografia indica essa revelação do amor como discurso e linguagem também. E a própria linguagem dessa intimidade não deixa de ser um instrumento de tentativa de encontrar-se com o eu – lógica da lírica moderna e da poesia de Fernando Pessoa: “poesia não do eu, mas da busca do eu, de suas intermitências. (Revista Continente, documento, ano IV, N 46/2006).

COROLÁRIO.- Nossa conclusão ou corolário será maior e melhor que tudo o até aqui exposto, pois vamos acompanhar o discurso de posse, como ganhadora do “PRÊMIO NÓBEL DE POESIA”, 1996, da poeta Wislawa Szymborka. O nome dela para nós é difícil, mas sua forma de nos indicar a missão da poesia e a tarefa dos poetas é verdadeiramente sublime:

Os poetas contemporâneos são céticos e desconfiados até, ou talvez sobretudo, de si mesmos. Só com relutância confessam publicamente ser poetas, como se tivessem um pouco de vergonha. Mas em nossos tempos estrepitosos é mais fácil reconhecer nossos erros, ao menos se estiverem atraentemente embalados, do que reconhecer os próprios méritos, pois estes se mantêm ocultos mais no fundo, e nós mesmos nunca acreditamos muito neles... Quando preenchem fichas ou batem papo com estranhos — ou seja, quando não podem deixar de revelar sua profissão —, os poetas preferem usar o termo genérico “escritor” ou substituir “poeta” pelo nome de qualquer outro trabalho que façam, além de escrever. Burocratas e passageiros de ônibus reagem com um toque de incredulidade e alarme quando descobrem que estão tratando com um poeta. Creio que os filósofos enfrentam reação semelhante. Contudo, estão numa posição melhor, pois na maioria das vezes podem ornamentar seu ofício com algum tipo de título universitário. Professor Doutor de Filosofia: isso sim soa muito mais respeitável.

Mas não existem professores de poesia. Afinal de contas, isso significaria que a poesia é uma ocupação que requer um estudo especializado, exames regulares, ensaios teóricos com bibliografia e notas de rodapé anexadas e, por fim, diplomas conferidos com pompa. E significaria, em troca, que não basta encher páginas de poemas, mesmo os mais primorosos do mundo, para tornar-se um poeta. O fator decisivo seria um pedaço de papel que traz um selo oficial. Lembremos que o orgulho da poesia russa, o futuro ganhador do Prêmio Nobel Joseph Brodsky, foi certa vez condenado ao exílio em seu próprio país justamente com base nessa idéia. Chamaram-no de “parasita” porque não possuía o certificado oficial que lhe assegurava o direito de ser poeta.

Há muitos anos, tive a honra e o prazer de encontrar com Brodsky. Notei que, de todos os poetas que eu conhecia, ele era o único que gostava de se chamar de poeta. Pronunciava a palavra sem inibição. Ao contrário: ele a falava com uma liberdade desafiadora. Isso devia ocorrer, é o que me parece, por causa da lembrança das humilhações que sofreu na juventude.

Em países mais afortunados, onde a dignidade humana não é agredida tão facilmente, os poetas almejam ser publicados, lidos e compreendidos, mas fazem pouco, ou quase nada, para se situarem acima do rebanho geral e da roda-viva do dia-a-dia. No entanto, ainda não faz tanto tempo, os poetas se esforçavam para nos escandalizar com suas roupas extravagantes e seu comportamento excêntrico. Tudo isso era só para encher os olhos do público. Sempre chegava a hora em que os poetas tinham de fechar a porta atrás de si, despir suas capas, seus penduricalhos e outras parafernálias poéticas e enfrentar — em silêncio, com paciência, à espera de si mesmos — a folha de papel ainda em branco. Pois, no final, é isso o que de fato conta ao é por acaso que filmes biográficos sobre cientistas e artistas célebres são produzidos aos montes. Os diretores mais ambiciosos tentam reconstituir de forma convincente o processo criativo que gerou importantes descobertas científicas, ou o surgimento de uma obra-prima. E se pode retratarcertos tipos de atividade científica com algum sucesso. Laboratórios, instrumentos diversos, máquinas complicadas em ação: tais cenas podem prender o interesse da platéia durante algum tempo. E aqueles momentos de incerteza — será que a experiência realizada pela milésima vez com uma ínfima alteração, produzirá por fim o resultado desejado? — podem ser dramáticos. Filmes sobre pintores podem ser espetaculares, enquanto recriam todos os estágios da evolução de um pintor famoso, desde o primeiro traço a lápis até a pincelada definitiva. A música se expande nos filmes sobre compositores: os primeiros compassos da melodia que soa nos ouvidos do músico emergem, no fim, como uma obra madura em forma sinfônica. Claro, tudo isso é ingênuo, e não explica o estranho estado mental popularmente conhecido como inspiração, mas pelo menos existe algo para se olhar e se ouvir.

Mas os poetas são os piores. Seu trabalho, inapelavelmente, nada tem de fotogênico. Alguém senta a uma mesa ou deita num sofá enquanto olha imóvel para a parede ou para o teto. De quando em quando, essa pessoa escreve sete linhas, só para riscar uma delas quinze minutos depois, em seguida mais uma hora se passa, durante a qual nada acontece... Quem agüentaria assistir a esse tipo de coisa?

Mencionei a inspiração. Poetas contemporâneos respondem de forma evasiva quando lhes perguntam o que é isso, e se existe de verdade. Não é que nunca tenham conhecido a bênção desse impulso interior. Só que não é fácil explicar a uma outra pessoa aquilo que você mesmo não compreende.

Quando ocorre de me perguntarem sobre o assunto, também me esquivo. Mas minha resposta é esta: a inspiração não é um privilégio exclusivo de poetas e artistas. Existe, existiu, existirá sempre certo grupo de pessoas a quem a inspiração visita. É formado por todos aqueles que conscientemente escolheram sua vocação, e fazem seu trabalho com amor e imaginação. Pode-se incluir médicos, professores, jardineiros — eu poderia fazer uma lista de mais de cem profissões. Seu trabalho se torna uma aventura constante, enquanto forem capazes de continuar a descobrir nele novos desafios. Dificuldades e reveses nunca sufocam a sua curiosidade. Um enxame de questões novas emerge de cada problema que eles solucionam. Seja lá o que for a inspiração, ela nasce de um contínuo “não sei”.

Não existem muitas pessoas assim. A maioria dos habitantes da Terra trabalha para ganhar a vida. Trabalham porque têm de trabalhar. Não escolhem este ou aquele tipo de trabalho por paixão; as circunstâncias de suas vidas fizeram a escolha por eles. Trabalho sem amor, trabalho maçante, trabalho cujo mérito consiste no fato de que outros nem isso têm — aí está uma das mais penosas desventuras humanas. E não há sinal de que os séculos vindouros produzirão qualquer melhora em relação a este estado de coisas.

Assim, embora eu possa recusar aos poetas o monopólio da inspiração, ainda os situo num grupo seleto de favoritos da Fortuna.

Neste ponto, certas dúvidas podem surgir na minha platéia. Toda sorte de torturadores, ditadores, fanáticos e demagogos que lutam pelo poder com um punhado de retumbantes palavras-de-ordem também gostam de seu trabalho, e também cumprem suas obrigações com um fervor inventivo. Bem, está certo: mas eles “sabem”, e o que quer que saibam é o suficiente para eles, de uma vez por todas. Não querem descobrir mais nada, uma vez que isso pode reduzir a força de seus argumentos. Mas todo conhecimento que não leva a perguntas novas se extingue depressa: não consegue manter a temperatura necessária para a conservação da vida. Em casos extremos, bem conhecidos desde a antiguidade até a história moderna, chega a representar uma ameaça letal à sociedade.

É por isso que dou tanto valor à pequena frase “não sei”. É pequena, mas voa com asas poderosas. Expande nossa vida para incluir espaços que estão dentro de nós, bem como as vastidões exteriores em que a nossa minúscula Terra pende suspensa. Se Isaac Newton nunca tivesse dito a si mesmo “não sei”, as maçãs do seu pequeno pomar poderiam ter caído no chão como uma chuva de granizo — no máximo, teria parado para pegá-las e devorá-las com deleite. Se a minha compatriota Marie-Curie Sklodowska nunca tivesse dito a si mesma “não sei”, na certa acabaria lecionando química em alguma faculdade particular para mocinhas de boas famílias, e terminaria seus dias cumprindo esse trabalho, de resto perfeitamente respeitável. Mas ela não parou de dizer “não sei”, e essas palavras levaram-na, não só uma vez, mas duas, a Estocolmo, onde espíritos inquietos, indagadores, são de tempos em tempos contemplados com o Prêmio Nobel.

Poetas, se autênticos, também devem repetir “não sei”. Todo poema assinala um esforço para responder a essa afirmação, mas assim que a frase final cai no papel, o poeta começa a hesitar, a se dar conta de que essa resposta particular era puro artifício, absolutamente inadequada. Portanto, os poetas continuam a tentar e, mais cedo ou mais tarde, os resultados da sua insatisfação consigo mesmos são reunidos, e presos num clipe gigante pelos historiadores da literatura, e passam a ser chamados de suas “obras”.

Às vezes, sonho com situações que não podem virar realidade. Imagino, por exemplo, que tenho uma chance de trocar umas palavrinhas com o autor do Eclesiastes, aquele comovente lamento sobre a vaidade de todos os esforços humanos. Curvo-me profundamente diante dele, pois é um dos maiores poetas, pelo menos para mim. Depois seguro a sua mão. “Não há nada de novo sob o sol — foi o que você escreveu. Mas você mesmo nasceu novo sob o sol. E o poema que criou é também novo sob o sol, uma vez que ninguém o havia escrito antes de você. E todos os seus leitores são também novos sob o sol — aqueles que viveram antes de você não puderam ler o seu poema. E esse cipreste sob o qual está sentado não cresceu desde o início dos tempos. Nasceu de um outro cipreste semelhante ao seu, mas não exatamente igual.

E, Eclesiastes, eu também gostaria de lhe perguntar que coisa nova sob o sol está agora em seus planos de trabalho. Um suplemento adicional às idéias que já expressou? Ou talvez esteja agora tentado a contradizer algumas delas? Em sua obra inicial, você fez menção à alegria — de que adianta se é fugaz? Então, será que o seu poema novo sob o sol vai falar da alegria? Já tomou notas, fez rascunhos? Duvido que você responda: ‘Já escrevi tudo, não tenho mais nada a acrescentar’. Não existe no mundo nenhum poeta que possa dizer isso, muito menos um grande poeta como você.”

O mundo — o que podemos pensar quando estamos apavorados com a sua amplidão e com a nossa própria impotência, ou quando estamos amargurados com a sua indiferença em relação ao sofrimento individual, das pessoas, dos animais e talvez até das plantas (pois por que estamos tão seguros de que as plantas não sentem dor?); o que podemos pensar sobre as suas vastidões penetradas pelos raios de estrelas rodeadas por planetas que apenas começamos a descobrir, planetas já mortos? Simplesmente não sabemos; o que podemos pensar sobre este teatro imensurável para o qual temos ingressos reservados, mas ingressos cujo prazo de validade é risivelmente curto, delimitado como está por duas datas arbitrárias; o que quer que pensemos sobre este mundo — ele é assombroso.

Mas “assombroso” é um epíteto que oculta uma armadilha lógica. Ficamos assombrados, afinal de contas, por coisas que divergem de alguma norma conhecida e universalmente aceita, de um truísmo ao qual nos habituamos. Mas a questão é que não existe esse mundo óbvio. Nosso assombro existe per se e não se baseia numa comparação com outra coisa.

Claro, na fala cotidiana, em que não paramos a todo instante para ponderar cada palavra, todos usamos expressões como “o mundo comum”, “vida comum”, “o desenrolar comum dos acontecimentos”. Mas na língua da poesia, em que se pesam todas as palavras, nada é usual ou normal. Nem uma única pedra e nem uma única nuvem acima dela. Nem um único dia e nem uma única noite depois dele. E sobretudo nem uma única existência, a existência de nenhuma pessoa neste mundo.

Tudo indica que os poetas terão sempre uma tarefa muito árdua à espera’.

Minha conclusão pessoal. – Gostei, especialmente da descrição da tarefa do poeta do português E. M. Melo e Castro que defendia a “poesia não enquanto construção artística, mas como informação estética”. Pois assim, os poetas tem a missão de registrar fatos históricos com a sensibilidade de suas almas. E este registro é fundamental, pois na sua maioria, a historia é registrada pelos vencedores, ou como se falava anteriormente pelos intelectuais do círculo do poder, que deixam para a posteridade as verdades mentirosas de suas visões visadas, “ya que en la vida no hay verdade o mentira, todo es del color del cristal con que se mira”. (Enciclopédia Tesoro de la Juventud).

O escritor Eduardo Galeano cita algo que para mim é muito verídico e caio sempre em conta quando leio história por diferentes autores, pois as verdades são diferentes, pois são interpretações opostas. Ele disse: “Cada dia ao ler os diários, assisto a uma aula de história. Os diários ensinam-me pelo que dizem e pelo que calam. A história é um paradoxo andante. A contradição move-lhe as pernas. Talvez por isso os seus silêncios revelam mais do que suas palavras e muitas vezes nas suas palavras revelam, mentindo, a verdade”. Ele publicou um livro com o título “O paradoxo andante” (A efeitos de informação o livro original encontra-se em http://www.pagina 12.com.ar/diário/sociedade/3-96843-2007-12-13 html. O artigo sobre “O paradoxo andante” em http://resistir.info/ )

Em conclusão, a magia também é a poesia e os poetas não são perseguidos nos regimes democráticas, são pelo contrário, muito amados e admirados e premiados em várias instâncias: os Prêmios Nobels, os prêmios de diferentes modalidades em diversos instituições e países. Cada país ama a seus poetas e tem muito orgulho deles. Não vou citar nomes porque temo esquecer muitos. Brasil e Colômbia amam seus poetas, pelo que me costa.

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